Era um entardecer de sexta feira. Dirigia rumo a um lugar
qualquer, para uma situação que não lhe interessava muito. O caminho em si, por
outro lado, tornou-se seu maior entretenimento. Gostava de passar por aquelas
vias, sempre observando as pessoas caminhando, os outdoors comerciais que
insistiam em tentar convencer e, ainda, aqueles apartamentos que começavam a se
iluminar à medida que o sol ia se pondo. Gostava do contraste entre as luzes
acesas de alguns apartamentos e apagadas de outros. Sempre se concentrava
primeiro naqueles sem luz e perguntava onde estariam aqueles que não poderia
observar. Em sua cabeça, imaginava muitas vidas e infinitas possibilidades.
Talvez tenham viajado e estejam vivendo deliciosos momentos ao lado de suas
famílias; talvez, ainda presos no escritório, estejam terminando o último
projeto de sucesso; quem sabe não puderam sair porque salvavam vidas.
O caminho, por si, não demorava muito. Tão logo chegava,
aquelas imagens e possibilidades logo se dissipavam na usual rotina do ser
humano. Absorto em seus afazeres, tinha pouco tempo para pensar naquelas vidas
ao longo do dia. Porém, tão logo o sol se punha e dirigia-se para seu descanso,
aquelas imagens rondavam-lhe a cabeça.
Gostava, especialmente, de observar os grandes apartamentos
envidraçados, que permitiam uma rápida olhava. Comumente, conseguia ver
pessoas, porém lhe chamava muita atenção as oportunidades festivas. Via pessoas
se cumprimentando, curtos abraços, vários diálogos. Já não pensava muito em
quem seria, somente comparava aqueles momentos com os seus.
Sem que percebesse, tentava participar daqueles momentos mesmo
que de longe. Nunca parou para pensar, no entanto, que só projetava vidas
perfeitas, vidas que gostaria de ter tido... Nunca pensou que o trabalho
pudesse ser a experiência mais estressante de um, que outro vivesse um pequeno martírio todo dia que
chegava em casa, ou que alguém sofresse pelo simples fato de sofrer. Na
tentativa de participar da suposta vida perfeita que não tinha (nem ninguém),
esqueceu a sua e, quando se deu conta, já não tinha mesmo.