Faz 10 anos que tudo aconteceu. Faz 10 anos que eu não sei o que aconteceu. Lembro exatamente da primeira vez que te vi. Era um sábado, próximo às 07h da manhã. Você usava uma calça bem colorida e uma blusa branca. Lembro que ambos estávamos indo tomar café da manhã no hospital. Te vi caminhando até o refeitório, ainda de longe, sem saber quem era você. Lembro que você terminou tudo bem rapidamente e eu ainda fiquei lá. Pouco tempo depois, você foi lá no nosso ambulatório e minha colega Gabriela já tinha me ouvido falar de você. Ela me disse várias vezes pra eu ir lá falar com você, mas não era assim que eu queria que você me visse. Acho que, na verdade, eu nunca soube como me comportar na sua frente.
Tantos momentos vem, agora, em flash, na minha cabeça, todos com tantos detalhes. A primeira vez que conversamos. Uma mensagem de "vem" que fez meu coração acelerar a 188bpm e deixar o aniversário que estava com meus amigos pra um fim de noite no pub. O primeiro convite: uma apresentação no Clube do Choro. Precisava ser uma coisa mais intimista, mas precisava ser descolado, precisava fugir do convencional e precisava ser divertido pra você. Pensei nisso tudo. Comemos pastel e tomamos cerveja. Eu queria Heineken, mas você preferia Bud! Lembro de te levar pra casa e de não querer que aquela noite acabasse. Um almoço em um restaurante ali perto. Um dia que eu tentei te levar pra jantar, mas o restaurante tinha fechado! Terminamos no macarrão, única coisa que eu sabia fazer... Uma festa dos residentes, um dia de cachorro quente gourmetizado perto da sua casa (e o caminho de volta mais mágico que já caminhei). Outro dia de troca de fotos despretensiosas. Uma noite de aniversário da Camila e a gente a acompanhando no barzinho badalado. Mas, uma das partes que mais me lembro, era de ler o que você escrevia. Seu blog cheio de metáforas misteriosas, seu encanto pelas palavras, minha vã esperança de desvendar os sentimentos desse coraçãozinho que gritava. Uma resposta sua a um post meu, que eu li muitas vezes e tive dificuldade em interpretar. E tantas e tantas outras vezes eu voltaria àquele post só pra ler seu comentário no final.
Foi uma fase difícil pra mim. Quando terminei a residência fiquei um ano sem passar pela comercial da 102 porque não queria lembrar dessa época. Eu vivi um momento difícil em minha vida, um momento que não soube lidar. Tantas incertezas... talvez você tenha pego a pior fase desse momento. Um ambiente hostil e eu, talvez por acreditar demais, talvez por exigir demais, talvez por querer fazer mais, fui muito alvo de gente perversa. Por muito pouco eu não abandonei a residência. Logo eu que, depois de abandonar engenharia elétrica, qualquer possibilidade de "perder" mais tempo, já me desesperava. Caminhei por um vale cheio de tormentas, mas o sofrimento, por ser coletivo, trazia um senso de união. No terceiro ano, praticamente não pisamos no hospital e isso me fez respirar. Duas atividades me trouxeram sobrevida e me mostraram que a prática profissional pode ser diferente daquilo que eu experimentara naquele hospital. Enfim, sobrevivi, mas me perdi no caminho. Mas te perdi no caminho.
Eu tento repassar esse momento pra entender o que aconteceu, mas eu não consigo entender o que eu fazia. Tenho 100% de certeza que eu te afastei e que te fiz sofrer. Logo eu que queria te salvar do início ao fim. Não me sai da cabeça o dia que eu saí do hospital e te encontrei sentadinha no degrau ao lado da calçada. Queria que nada daquilo fosse culpa minha, e talvez não tenha compreendido naquele momento, mas hoje tenho tanta certeza de tudo que se passou. Tínhamos, naquele momento, tudo que eu mais queria hoje. Subitamente estávamos os dois em um congresso no Rio e longe um do outro. E aí a vida nos separou. Ou fui eu, covardemente.
Incrível pensar que, passado tanto tempo, passado tanto espaço, o coração ainda sente um alento quando leio aquele comentário aqui no meu blog. E eu sempre volto pra lê-lo de tempos em tempos. Torci muito por você nesse período. Cada conquista sua compartilhada ao mundo, que era a parte que me cabia, me fazia vibrar. Senti tanto orgulho com sua luta, suas conquistas. Eu não sabia nada do que se passava em sua vida, mas me sentia realizado com tudo o que você conquistava. Talvez meu maior alento foi ver o sorriso no seu rosto expresso em algumas fotos, por um bom tempo. Sempre foi lindo te ver sorrir! Também fiz outra graduação (ainda faço), mas já nem sei se quero terminar. Acho que a única constância na minha vida são os textos, os poemas e, especialmente, a música. Eu com meu violão desde os 13 anos (o mesmo) juntos nessa jornada, tentando compreender o que é a vida e o que fazer com ela. Confesso que ainda não chegamos a uma conclusão. Ainda não cheguei a uma conclusão.
A única conclusão, ao pensar que dez anos se passaram, é que tenho um sentimento absurdo de carinho, uma admiração sem limites e uma culpa maior que o mundo. Culpa por tudo que não te dei, mesmo querendo. Culpa por tudo que não soube te mostrar, mesmo sentindo. Culpa por ter deixado tudo se esvaecer, mesmo desejando. Culpa por não ter vivido, mesmo sonhando.
O caminho inexorável do tempo não permite que mudemos as coisas, então tento, com essas palavras, te dizer o quão importante você foi pra mim e o tanto de remorso que sinto por ter te deixado ir. Na verdade, neste momento, só queria te pedir perdão pelas lágrimas que poderiam ter sido evitadas e não foram. Vou sempre torcer muito por você da arquibancada da vida e cultivarei caliandras pra cobrir de plumas um colo afável deveras espalhado por aqui.
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